Nunca existiram tantas câmaras no mundo. Há um fenómeno de massificação e disseminação, com inúmeras implicações. Para uns isso contribui para a banalização. Há uma padronização média das fotos. Tornaram-se genéricas. Parecem todas iguais. São inautênticas, asseveram os mais críticos. Do outro lado da barricada existe quem afirme que toda a arte é uma construção, argumentando que a democratização da fotografia, o digital, as redes sociais ou a omnipresença da imagem, tanto podem uniformizar, como diversificar, estimular ou aprofundar o olhar.
Mesmo que exista maior homogeneização, a partir da enorme propagação, uma coisa é certa: O olhar de cada um continua a ser único. Por outro lado, se é verdade que a internet tem vindo a baralhar, nas últimas décadas, a forma como se cria, difunde, valida ou consome arte, com consequências que em grande medida ainda estão por avaliar, também não é menos certo que continuam a ser poucos os que nos conseguem comunicar circunstâncias individuais, sociais, psicológicas ou físicas, acerca da forma como nos sentimos e percebemos, em relação a nós e aos outros, reflectindo, ampliando ou problematizando a realidade.
Ao longo dos anos Pauliana Valente Pimentel (Lisboa, 1975) tem-no feito no contexto dos mais diversos desenvolvimentos artísticos, através de deambulações pela Grécia, Cáucaso, Paris, Cabo Verde, Dubai ou Açores, das quais resultaram livros como Causase, Souvenirs de Voyage (2011), projectos fotográficos e fílmicos como Jovens de Atenas(2012) e Entre Nous (2014) ou exposições como The Behaviour of Being (2015), Quel Pedra(2016), com a qual foi finalista do prémio Novo Banco, Empty Quarter (2017) ou O Narcisismo das Pequenas Diferenças (2018).
Em simultâneo a todos estes projectos expositivos tem mantido uma conta privada na rede social Instagram que, inevitavelmente, acaba por reflectir a sua vida nos últimos anos. Foi a partir delas, e de uma selecção organizada a partir dos últimos sete anos, que resulta a presente exposição. O título é, claro, uma menção, irónica, à forma como a maior parte olha funcionalmente para as redes sociais, a partir da quantidade de interacções geradas pelos Likes. Aqui o que interessou a Pauliana foi um outro processo, dando-nos a ver, afinal, que muitas das suas fotos de recreação estão (inevitavelmente?) contaminadas pelo olhar da artista.
Se em todos os seus projectos existe uma observação-participante, em que a artista procura compreender e colaborar nas dinâmicas dos sítios e das pessoas que o enformam, para melhor captar com justeza a intimidade e a poética das pessoas e dos lugares, aqui essa tensão é estreitada. Estamos perante personagens que, na maioria, ou são amigos ou familiares, e perante lugares, a praia, o campo ou o mar, num jogo de espaços exteriores e interiores, que fazem parte do seus rituais habituais.
Há em simultâneo, como na maioria dos seus projectos, um olhar de proximidade, que é tão fantasista quanto documental – não um documental no sentido de activar uma realidade, mas enquanto parcela de um quotidiano afectivo que é ao mesmo tempo natural, familiar, enunciador de curiosidade e inspirador, numa atenção constante à figura humana e ao seu envolvimento espacial. Olha-se para as imagens e vislumbramos a passagem do tempo ou a clivagem entre letargia e criação, como se fossemos convidados a olhar para um mundo que tem tanto de prático como de devaneio e sonho. Um universo particular, que é indiscutivelmente o de Pauliana Valente Pimentel, mas que nos conduz directamente até às pequenas grandes coisas de que todos somos feitos.
31-1-2019, Vítor Belanciano